sexta-feira, maio 22, 2009

O papel da arte transformadora*

Um cenário desafiante permeia o universo da arte no Brasil. De um lado, a arte dita de circuito, que se restringe ao mercado formado por feiras, exposições em museus e galerias nacionais e internacionais, voltada para uma minoria da sociedade. Do outro, iniciativas e intelectuais que acreditam que o grande fator impeditivo para a democratização do acesso à arte seja o poder econômico. Em comum, essas facetas vivem um tempo de fortes transformações culturais, políticas, sociais e tecnológicas, propício à quebra de paradigmas e à reinvenção de conceitos.

Representante da geração dos anos 80, a artista plástica Mônica Nador viveu a angústia desse novo tempo na própria pele. Depois de atuar por cerca de 15 anos nesse circuito, transitando entre galerias e exposições de arte do mundo todo, Mônica percebeu que faltava alguma coisa a sua arte e, diante de uma parede em branco, descobriu que a lacuna seria perfeitamente preenchida pela palavra “utilidade”. Largou o grande circuito e migrou sua pintura das telas para as paredes públicas. Com isso, descentralizou a produção e ampliou a circulação da cultura para comunidades que não tinham nenhum acesso ao fazer artístico. Nascia então o embrião do Jamac - Jardim Miriam Arte Clube, um “clube” que promove oficinas de pintura para moradores da periferia paulistana.

A relação de Mônica Nador com o circuito sempre foi conflituosa e a artista quase desistiu do ofício, assombrada com a possibilidade de ter sua arte transformada em mercadoria. “O formato que o circuito me proporcionava passou a não me satisfazer. Eu queria fazer arte social, levar a beleza pura para todos. A partir daí, o meu desenvolvimento passou a ser uma ampliação do público até atingir uma população que não tem o menor contato com arte. Quero multiplicar esse trabalho, mas é muito difícil levar adiante uma iniciativa como essa sem capital para investir”, conta a artista.

Quando questionada sobre qual o cenário das artes plásticas no Brasil, Mônica responde que falta ao artista brasileiro a conexão com o universo que vivencia. “O poder transformador da arte não pode ser represado. Quando você não estabelece uma relação com o seu entorno passa a reter o conhecimento e pessoas como as que freqüentam o Jamac, tratadas como energia humana de trabalho, são alijadas do processo criativo. A arte que gera inclusão social permite que talentos despontem como em qualquer outra profissão”, conclui.

Para o diretor do museu carioca Paço Imperial, Lauro Cavalcanti, é um erro achar que a arte tem poder transformador sobre a questão social. “Não acredito em transformação pela arte e sim pela luta social. A arte é fundamental para as pessoas se expressarem, para terem uma vida mais bela e pode até contribuir com a socialização do que é produzido. Toda vez que artistas e arquitetos acham que podem transformar as pessoas o resultado é um modelo autoritário de arte. É uma ilusão achar que a arte tem um poder maior do que realmente tem”, argumenta.

Mesmo não acreditando no potencial transformador da arte, Lauro Cavalcanti aposta na educação como um dispositivo para ampliar o acesso à cultura. Há cerca de oito anos o Paço Imperial desenvolve uma ação efetiva no setor educativo, alinhando professores da rede pública à programação promovida no Museu. “Capacitamos os professores para que transmitam a seus alunos informações corretas sobre as exposições. Por uma questão de falta de verba, atendemos apenas escolas de regiões carentes que consigam se deslocar até o Paço. Gostaríamos muito de ampliar nossa atuação nessa área, promovendo outras ações na comunidade, como cursos de montadores de arte, mas esbarramos com a questão da carência de orçamento. O fato é que trabalhamos num território de carências e procuramos seguir adiante”, explica o diretor.

Nos anos 60, o artista plástico Hélio Oiticica deu mostras de que é possível conjugar a participação no circuito com o exercício político, criando obras sob o signo do coletivo, como os Parangolés, exibidos no MAM-RJ, durante a exposição Opinião 65. Oiticica foi convidado a se retirar por ter levado a experiência vivenciada com o samba no Morro da Mangueira para um recinto ainda restrito a uma minoria de terno e gravata. Uma tentativa de democratização da arte que ecoa ainda hoje, embora de forma tímida.

Segundo pesquisa do IBGE (2001), das 27 unidades federativas brasileiras, apenas 17 têm museus em mais de 10% de seus municípios. Essa estatística demonstra que até o acesso à arte mais institucionalizada, em pleno século 21 – quarenta anos depois dos Parangolés de Oiticica –, é precário e que iniciativas como o Jamac, que trazem a arte para o cotidiano, são fundamentais para difundir e democratizar o fazer e o fruir artístico.

*matéria publicada em 2007, no Boletim da Democratização Cultural.

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei