sábado, setembro 08, 2007

rito de passagem ou drama de mae


Compramos uma cama para o Lu hoje. Demos adeus ao berço.
Meu filho está virando um homem...
ai, ai...

o que e jerome hausman?


Uma mistura de bom velhinho, com duende do pote de ouro do arco-íris, e um daqueles professores memoráveis dos tempos da faculdade. Sorridente, disputado por todas as jovens do ambiente que não paravam de lhe apertar as bochechas, atencioso com todas elas, diga-se de passagem; cheio de histórias para contar. Para lá dos oitenta, mas passava por setentão fácil.

Enviei um roteiro de perguntas para ele, duas semanas antes do I Seminário Internacional da Democratização Cultural acontecer, mas ele estava enrolado e preferiu conversar quando chegasse ao Brasil. Na hora da entrevista, Jerry saca da mala - que não largou nem por um minuto - um rascunho em folha amarela, escrito à mão - num garrancho de médico daqueles bem difíceis de entender - e me entrega cinco respostas, pensadas durante o vôo, para as minhas perguntas. Nesse momento, disse adeus ao roteiro e resolvi conversar. E como foi boa a conversa. Fala mansa, mas com muita energia, risadas altas e festivas, olhar de quem simula saber pouco, mas no fundo sabe que conduz muito bem o fio da meada. Simplicidade e relevância. Fiquei encantada.

Por isso, transcrevo um trecho da conversa - a íntegra da entrevista está em www.democratizacaocultural.com.br. Para que outros também se deliciem com o velhinho batuta, precursor dos estudos de arte-educação no mundo, que veio lá dos states e conversou comigo como se eu não fosse mais uma entre os milhares de jornalistas que lhe entrevistaram na vida.

As aspas de Jerome Hausman:
"Por muito tempo, para aprender arte era preciso se tornar aprendiz de grandes artistas, servindo a eles, seja nos serviços da casa, seja no trabalho de arte propriamente dito. O aprendiz configurou os primórdios do aprendizado da arte, que passou por um longo processo de transformação. Há muitos anos, quando eu era diretor da Escola de Arte da Faculdade de Ohio, conheci um professor de história da arte que foi ao Paquistão interessado nas cerâmicas produzidas por lá. Nessa viagem, ele se impressionou muito com o trabalho de um artista específico e resolveu ir até a cidade desse artista para conhecê-lo. Quando chegou e perguntou onde poderia encontrar 'o artista', todos disseram que não o conheciam, simplesmente porque não sabiam o significado da palavra 'artista'. E ele mudou a pergunta, querendo saber quem fazia a cerâmica. Então, foi entendido, e com o endereço em mãos foi encontrar o artista. Ficou impressionadíssimo com o que viu: um homem trabalhando a argila em um torno rudimentar, feito de pedra e pau. E meu amigo perguntou ao homem: 'Quem te ensinou a fazer isso?'. O homem olhou para ele desconfiado e disse que ninguém o havia ensinado. Meu amigo insistiu: 'Mas como você aprendeu?', e a resposta foi 'Eu nunca aprendi'. 'O seu pai fazia cerâmica?', retrucou o professor. 'Sim. O meu pai, o pai dele, o pai do pai dele... Toda a minha a família faz cerâmica'. Então, quando o meu amigo me contou essa história, ficamos refletindo sobre a naturalidade desse aprendizado. Perguntar “quem te ensinou a fazer arte?' significava, naquele contexto, o mesmo que perguntar 'quem te ensinou a respirar?'. A arte fazia parte da vida daquele homem de uma forma tão natural que ele nem conseguia pensar o que era ensino. 
De um outro ponto de vista, durante o século 19 foram inauguradas muitas escolas que incluíam o desenho no currículo com o objetivo de capacitar mão-de-obra especifica, com ótima coordenação motora, para trabalhar nas fábricas. Dando um salto na história, no fim da Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano ofereceu aos jovens recém-chegados da guerra a opção de estudar em faculdades. Vários jovens escolheram estudar arte, e eu me incluo na lista, impulsionando a ampliação das faculdades e o crescimento de um mercado específico. Depois de graduado, resolvi ensinar arte, assim como muitos resolveram. Quer dizer, a humanidade evoluiu e precisou readequar seus conceitos e práticas, e o ensino da arte passou por esse viés."

"Mais ou menos 50 anos atrás, conheci Marshall McCune, que publicou um livro sobre as projeções da invenção da imprensa, e fiquei impressionado com sua tese. Também li os escritos de Walter Benjamin sobre a arte na era da reprodução mecânica. Retorno a esses nomes e temas para mostrar que as mudanças acontecem naturalmente, como uma evolução, mas que agora elas estão num ritmo de progressão geométrica, e não aritmética, como no passado. Para muitos, a globalização restringe-se a um fenômeno econômico, mas ela vai além disso. As mudanças tecnológicas são impactantes no que somos e fazemos e acontecem mais rápido que o nosso entendimento. Trata-se de uma dinâmica irreversível que afeta a vida das pessoas, gerando novas atitudes e visões e criando novas ambigüidades. O nosso desafio hoje é encontrar a ponte entre a identidade pessoal e a coletiva. A globalização também gerou mudanças incríveis na forma e nos meios de fazer arte, na expressão e realização de idéias. Há, por exemplo, uma nova paleta de realidades visuais que incitam todo tipo de imagística e geram novas interpretações. A arte transformou-se em um novo instrumento de organização da consciência. Os pintores não se sentem mais confinados a telas e tintas, utilizam todo tipo de material; os músicos vão além dos instrumentos tradicionais e assim por diante. A verdade é que os jovens do mundo atual têm uma variedade maior de possibilidades de expressão e realização de suas idéias e sentimentos. O que é importante, mas não é melhor do que as formas anteriores. A expansão dos meios criativos não significa uma qualidade maior de valores e significados."

entrevistas boas por demais da conta


Fiz a cobertura do I Seminário Internacional da Democratização Cultural, que aconteceu aqui em São Paulo. E tive a oportunidade, que todo jornalista adora, de entrevistar pessoas muito inteligentes de outros países. Ai, como é bom falar com gente inteligente, mesmo em outra língua, com ajuda de tradutor, com um monte de gente espreitando, com muito pouco tempo. Tenho que admitir que sai de lá cansada, com inglês, francês e espanhol ressoando nos ouvidos, mas bastante satisfeita e louca por um chopinho redentor. Não foi o caso... e acabei me consolando com uma coca-cola gelada. O que não é nada mal.
Para quem quiser conferir o resultado da cobertura, basta entrar no www.democratizacaocultural.com.br e acessar o Boletim da Democratização Cultural. Ainda com muito conteúdo na algibeira, certamente as próximas edições vão trazer matérias inéditas.