sexta-feira, maio 22, 2009

música sem fronteiras, mas com identidade*

Em certa entrevista ao Jornal do Commercio de Recife, Baden Powell declarou que o Brasil podia dar música sem repetir durante dois mil anos. O violonista e compositor referia-se à grande expressividade musical de um País que, além de produzir uma infinidade de ritmos, mostrava-se receptivo às fusões de elementos sonoros. O próprio Baden acrescentou à música popular brasileira pitadas de jazz e de música erudita. O que ele sequer poderia imaginar é que o Brasil, assim como o mundo, viveria o fenômeno da globalização da cultura, em que a música rompe as fronteiras geográficas ao mesmo tempo em que redescobre os ritmos da tradição local. O resultado é o que se pode chamar de música raiz-antena, um gênero que singulariza o regional, as raízes, enquanto se conecta com o mundo.

Um dos representantes desse modelo, o grupo Pato Fu, alia a diversidade da música mineira ao que há de mais novo no cenário mundial. “Acho saudável a possibilidade de escrever e interpretar canções que não precisam obedecer a uma estética pura. Usamos o máximo da tecnologia para gravar uma canção com instrumentos muito brasileiros, como o triângulo, o cavaquinho, o surdo e o pandeiro. E a música acaba virando uma máquina do tempo sem limites estéticos. É muito interessante fazer música hoje, porque você pode usar elementos de todas as épocas, experimentar, recortar, colar, desconstruir e fazer algo novo com a idéia que lhe vier à mente”, avalia a vocalista do grupo, Fernanda Takai.

Para o cantor e compositor Pedro Luís – do grupo Pedro Luís e a Parede – o casamento entre a tradição e a modernidade é uma articulação cada vez mais incorporada ao cotidiano da música brasileira. “O País é muito vasto e as manifestações musicais são inúmeras. Em minhas viagens tenho visto muitas formas interessantes de praticar essa mistura e, de um tempo para cá, a juventude, tanto criadora quanto consumidora, tem se aproximado mais das manifestações ligadas à raiz brasileira, o que é bom para a cultura nacional”, diz o músico que foi considerado inovador em meados dos anos 90 justamente por misturar ritmos diversos como o rap, o funk, o samba e o maracatu.

No mesmo período em que Pedro Luís despontava no Rio de Janeiro, Chico Science criava um movimento no Recife que mudaria completamente os rumos da música, alçando o regional a um lugar de destaque, com o lançamento do disco Da Lama ao Caos –, um divisor de águas. “Até o início dos anos 90, a juventude espelhava-se muito na cultura vinda de fora. Cantávamos em inglês; a MTV chegava ao Brasil; e a gente estava tentando ser o que não era. O Chico Science abriu um caminho que foi percorrido por outros grupos como o Raimundos e o Mundo Livre S/A e o Brasil começou a prestar atenção à sua cultura. O resultado é que as novas gerações tiveram acesso a esse movimento mais amadurecido. Ao contrário do que era antes, hoje você faz a música aqui e busca fora o tempero”, comenta o multiinstrumentista, compositor e produtor BiD.

Quando todos estavam com os olhos voltados para fora veio a necessidade de olhar para o próprio umbigo, uma zona de aconchego, reflexo de memórias auditivas, culturais. E com a identidade afirmada veio a vontade de olhar de novo para fora e bater todas as influências no liquidificador da música. Mas esse movimento só se tornou possível por conta da evolução tecnológica sem precedentes.

*matéria publicada no Boletim Natura Musical em 2007

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