sexta-feira, junho 16, 2006

Road story


A Sereia Vermelha, de Maurice G. Dantec

Europa, 1993. Enquanto um conselho estabelece as fronteiras e detalhes para a unificação do continente, o então redator publicitário e músico pós-punk Maurice G. Dantec narra o cotidiano de uma Europa globalizada econômica e socialmente em seu romance de estréia A Sereia Vermelha. Considerado um cult da literatura noir francesa, o livro mostra um clímax de violência urbana, típico de países subdesenvolvidos, instalado no berço da civilização.
E ninguém está livre de perseguições, de preconceitos, de assassinatos e de raptos no romance de Dantec. De origens raciais diversas, os personagens convivem com o perigo iminente da violência a cada linha do texto, como espectros do mundo contemporâneo. Cada um cumprindo uma função. A adolescente modelo criada num dos países mais modernos do mundo, a Holanda, é vítima de sua própria mãe, uma legítima representante da elite financeira global. A preceptora, uma asiática estudante de ciências físicas, é assassinada por ter desejado algo mais que o cargo de empregada. O herói, ou anti-herói, francês, um mercenário politizado adepto do fazer justiça com as próprias mãos. A policial holandesa que luta contra a corrupção enquanto busca se encontrar como mulher. O marinheiro inglês, vítima das drogas, que tenta se redimir como pai. O policial corrupto vindo da África do Sul, onde era pago para fazer o serviço sujo. Enfim, uma sucessão de clichês marcados pela formatação do mercado editorial de romances policiais: tudo regado a muito sangue, tiros, perseguições e viagens espetaculares.
Determinações editoriais à parte, o enredo conta a história de Alice, uma adolescente muito inteligente e amadurecida, que ao encontrar uma fita com imagens de tortura e do assassinato (snuff-movies) de sua professora, descobre que sua mãe é uma espécie de vampira moderna, contata o comissariado holandês e foge à procura do pai. Ao saber da denúncia de Alice, sua mãe, Eva Kristensen, coloca um verdadeiro exército de elite em seu encalço. Durante a fuga, Alice conhece Hugo, um mercenário envolvido com o contra-poder terrorista que atuava no leste europeu, que resolve ajudá-la a encontrar seu pai. E aí começa a aventura: a menina foge do bandido, que foge da polícia.
E como não poderia deixar de ser, o romance policial traz aparatos militares de última geração. Granadas, fuzis, pistolas, metralhadoras e até mecanismos da alta espionagem ditam o ritmo da narrativa. Sem fazer juízo de valores, Dantec apresenta as armas de uma histeria tecno-militar generalizada, mostrando personagens preparados para enfrentar qualquer guerra, seja pública ou particular.
O que dá a verossimilhança necessária ao enredo é justamente o cenário. Como pano de fundo para o thriller noir, Dantec elegeu as estradas européias. Alice e Hugo saem da Holanda em velocidade máxima, com escala na Alemanha, na França, na Espanha e em Portugal. É no país lusitano, com suas estradinhas estreitas e arborizadas à beira de penhascos, que a aventura termina. Para completar a road story, uma trilha sonora escolhida a dedo. Em momentos de emoções fortes, com volume no máximo, Easy Rider de Jimmy Hendrix; para não acordar os passageiros, Nashville Skyline, de Bob Dylan; e quando o assunto é delicado, qualquer melodia de Miles Davis.
Para apresentar os personagens ao leitor, Dantec apostou na troca de olhares. Uma pequena olhadela é capaz de desvendar cada personalidade. E os que não olham nos olhos determinam a mesma proposição. Com isso, o autor aproveita para criar pausas, fortalecer as características essenciais de cada um e aumentar o clima de suspense, valorizando a narrativa linear. E talvez seja esse formato que torna a leitura fluente e nos faz não descolar os olhos do livro, acompanhando Alice e Hugo pela Europa até o fim da aventura.

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