quarta-feira, maio 24, 2006

crítica de sebo

O Matador, de Patrícia Melo

O salão de beleza poderia estar em Nova York, Berlim ou Tóquio. Não faria diferença. Atmosfera cheirando a sexo, ares de chumbo, como se uma tempestade estivesse prestes a irromper: este é o cenário no qual se descortina a cena mais importante - e talvez a menos original - de O Matador, livro publicado pela roteirista, dramaturga e escritora Patrícia Melo. O momento é de tensão, já que cumula o big ben da narrativa, e Gregor Samsa está prestes a virar barata e a perceber sua metamorfose. Parece Kafka, parece O Estrangeiro, de Albert Camus, mas, embora a intenção seja a mesma, o protagonista, Máiquel, está longe de ser um anti-herói. Jovem da periferia de uma grande metrópole, 22 anos, semi-analfabeto, Máiquel vê nos cabelos tingidos de louro a oportunidade de se tornar alguém. Ele se torna um matador. Um justiceiro, que aumenta as estatísticas de morte e violência em grandes centros urbanos em prol da paz na classe média. É esse o estopim criado por Patricia Melo: cabelos pintados de louro.

Daí a dizer que o livro é todo composto por personagens arquetípicos, costurados em torno do protagonista, não há mistério. Dono-de-botequim-cronista-do-cotidiano, mãe-solteira, mãe-viúva, cheirador, menina-de-15 anos-descolada, delegado-corrupto, patrão-chauvinista, burguesinha-viciada, moça-correta-e-trabalhadora- que-se-envolve-com-bandido. O cast de O Matador reúne tipos que permeiam o imaginário coletivo e se destacam cada um por uma “patologia” diversa. Tudo isso, arranjado entre citações eruditas e inventários enciclopédicos – lembra Rubem Fonseca? É, lembra. Aliás, segundo a própria Patrícia, Fonseca é uma espécie de mentor intelectual da escritora. A diferença é que o texto de Patrícia (pelo menos este) não faz aprofundamentos psicológicos e nem descrições do ambiente social. Tudo bem, “mea culpa”, ela tem todo o direito de não querer compor um romance psicológico ou social. Mas então, porquê enveredar por uma linha de filosofia de pára-choque? Patrícia romantiza o “bom selvagem”, cria um pensamento existencialista para ele, lhe dá um alto poder de análise do sistema social e lava a alma, faz as pazes com o social.

“Eu sou diferente, quando acordo, vou logo dizendo, ei, cachorro, enfia a cabeça embaixo do travesseiro porque hoje é um dia de merda e amanhã também vai ser um dia de merda...eu sou um homem cinza. Eu leio no jornal aquelas coisas todas, Iraque mantém movimento de tropa, refugiados fogem do Burundi para o Zaire, nada disso acontece comigo. Eu não estava no atentatdo que matou vinte e duas pessoas em Tel Aviv”. “Você sabe o que é um kamikase?...Kami quer dizer divino e kaze, vento. Vento divino, aquele almanaque que você me deu é mesmo do caralho. Os furacões que acabaram com as duas frotas de invasão mongóis tinham este nome, kamikaze. O mongol Kublai Khan teria engolido o Japão, se não fossem estes furacões, entendeu? Aí, na Segunda Guerra Mundial, os japoneses , que não sabiam o que fazer contra a tropa americana, que vinha a toda, pensaram nos kamikases. Só os kamikazes poderiam dar um jeito naqueles caras, os americanos”.

E mesmo com todas essas críticas, não há como omitir: Patrícia escreve bem. Linguagem enxuta, direta, ritmo vertiginoso, preocupação com o coloquialismo. Ou seja, prende a atenção pela fluidez do texto; pela maneira como costura os acontecimentos. Escrita sintonizada com o início do século 21, visual, seguindo um estilo “tudo ao mesmo tempo agora”. A autora nos coloca uma infinidade de informações, vai destrinchando-as à medida que a narrativa flui e, o melhor, os personagens fluem junto com a trama. Eles vão seguindo o seu caminho sem saber ao certo para onde vão, mas confiando na escrita da autora. A composição de O Matador, e não o enredo, mereceu premiação. O livro foi incluído entre os cinquenta Latin American Leaders for the New Millennium; e recebeu os prêmios Deux Océans e Deutsch Krimi.

Em 1929, a romancista Virgínia Woolf afirmou num de seus livros que, “para fazer literatura, a mulher antes precisa ter dinheiro e um teto todo seu”. Não que a mulher do século 21 não queira a mesma coisa, ser dona do próprio nariz, mas hoje ela participa do universo literário sem antes ter que apresentar sua carteira do clube da luluzinha, sem sofrer preconceitos por ser mulher. O fato é que homens e mulheres vêem o mundo de maneiras diferentes. E o matador da trama de Patrícia é diferente de todos os matadores delineados por Rubem Fonseca, porque é feminino. E são as mulheres os personagens mais fortes da trama. Érika, a amante de Máiquel, sim, é a justiceira.

2 comentários:

Anônimo disse...

aêêêêêêêêêêê, daqui a pouquinho sou eu que tô na área. Adorei! Sua amiga baiana mais legal.
Juba

disse...

Bem, confesso que não li o livro, vi apenas o filme, que até me agradou. A influência fonsequiana me parece latente e tenho curiosidade de ler alguma coisa da Patrícia, só que tem muitos outros livros na frente :( Continua escrevendo menina, tá ficando legal. Beijo.